Pornografia online pode se converter em vício e destruir vida afetiva e social

Por Guilherme Gouvêa Pícolo em 13/Ago/2012 – Há poucas semanas, o SD publicou uma notícia na qual o psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford, comentava sobre os graves danos que prevê às pessoas expostas de maneira constante à pornografia online.

Apesar do alerta de Zimbardo ter soado um tanto quanto histriônico, a verdade é que existem outros profissionais da área debruçando-se sobre o tema; também já é possível ler na internet relatos muito consistentes sobre internautas que tiveram suas vidas abaladas pela compulsão por acessar conteúdo adulto online.

Gary Wilson, um biólogo e professor norte-americano, que leciona na Universidade de Oregon, e sua esposa Marnia Robinson, uma ex-advogada, vêm pesquisando os comportamentos e os efeitos que a exposição repetitiva da pornografia online está causando aos indivíduos.

No site que criaram há cerca de dois anos, o YourBrainonPorn, Gary e a esposa expõem relatos de viciados em pornografia online, discorrem sobre os efeitos neuroquímicos do fato, os danos que tal vício pode ocasionar e divulgam outras informações de interesse e de apoio aos internautas acometidos pelo problema.

É importante salientar que acessar conteúdo pornográfico, por si só, não induz a nenhuma patologia mental. O problema ocorre quando a prática da atividade torna-se um imperativo incontrolável na vida da pessoa, capaz de prejudicar suas atividades cotidianas, provocar mudanças de comportamento negativas e prejuízos sentimentais e sociais. Nesse caso, a vontade transforma-se em dependência, e o seu agente torna-se vítima dela mesma, conforme explica o psicólogo Oswaldo Rodrigues Junior, diretor da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana.

É interessante acompanhar alguns relatos no site de Gary. Muitos dos depoimentos, prestados por homens jovens, descrevem a compulsão por acessar material pornográfico e os prejuízos diretos e indiretos que isso lhes causa, incluindo casos recorrentes de disfunção erétil, fadiga, problemas no trabalho, dispersão, anulação da vida social, ansiedade descontrolada, falta de concentração, depressão e queda da produtividade laboral.

Como todo vício, esse transtorno reflete-se na química cerebral, aumentando gradualmente os níveis de produção e absorção da dopamina, um dos neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer e bem estar, causando tolerância e a necessidade de estímulos cada vez mais fortes e duradores. Na prática, isso leva a uma diminuição da sensibilidade ante os estímulos eróticos naturais, além de um afastamento da realidade – ou até mesmo a substituição completa dela pelo mundo virtual.

O “desejo sexual excessivo” já foi recentemente catalogado no CID – Código Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. O DSM (Manual Estatístico de Doenças Mentais) trata o diagnóstico como transtorno sexual não especificado. A compulsão pela pornografia online e pelo decorrente comportamento sexual solitário, acompanhado pelos sintomas acima citados, pode abrir mais uma vertente dentro deste gênero de transtorno, que hoje é mais frequentemente diagnosticado entre pessoas caracterizadas por uma vida sexual intensa, desregrada e pelo seu número igualmente extenso de parceiros sexuais.

Para o psicólogo Luiz Augusto de Araújo, o consumo compulsivo de pornografia pode ser considerado, por alguns autores, tão grave como a dependência química. É uma tragédia silenciosa que corrói relações familiares, incapacita progressivamente para o trabalho e desconecta o viciado da sociedade.

Luiz Augusto também divulgou alguns sinais que permitem diferenciar o acesso sadio a conteúdos adultos daquilo que pode vir a se tornar um vício, entre os principais:

– o internauta não consegue deixar de visitar páginas pornográficas pelo intervalo de alguns dias, muitas vezes nem mesmo no local de trabalho;

– a produtividade cai absurdamente, bem como o compromisso com as obrigações sociais antes realizadas;

– por fim, as relações reais e os contatos pessoais são trocados por relações virtuais – ou pelo puro isolamento.

Enquanto os profissionais da área ainda discutem o tratamento para o problema (há a abordagem que defende o tratamento com antidepressivos e outros medicamentos a fim de reduzir o quadro de ansiedade e também programas de redução gradual do vício com acompanhamento psicológico), Gary Wilson está cada vez mais requisitado para apresentar palestras sobre o tema.

Com alguma tarimba que já ganhou sobre o espinhoso assunto, Wilson acredita que a facilidade com a qual se obtém material pornográfico na internet livremente, aliada com um modelo de vida que privilegia o isolamento e uso demasiado do computador (sobretudo com a promoção das redes sociais), acaba por tornar o vício um problema grave e de difícil prevenção, especialmente para a população mais jovem.

No YourBrainonPorn também existe um programa de aconselhamento sobre como reverter o quadro do vício, o que Gary chama de “Rebooting”, que se trata basicamente de um período mais prolongado de abstenção da visita a sites eróticos, acesso a vídeos pornográficos e congêneres.

Será que estamos diante de uma nova mazela psiquiátrica, pronta a ganhar ares de epidemia, como ocorreu com a depressão durante toda a década de 2000 a 2010? Ninguém possui a resposta ao certo, mas os indícios apontam para um quadro pouco confortável.

O mais recomendado ao internauta, nesse caso, ainda é seguir o milenar ensinamento aristotélico da “doutrina do meio termo”, percebendo nos extremos – seja na escassez ou no excesso – o desequilíbrio de que se deve fugir.

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